Os desafios da área de relacionamento com o cliente durante a pandemia do coronavírus
Os desafios da área de relacionamento com o cliente durante a pandemia do coronavírus
Hoje quero relatar minha experiência pessoal como gerente de relacionamento com o cliente durante meses muito atípicos da minha carreira e as lições que aprendi com essa nova fase da vida.
Estou no mercado de trabalho há 23 anos e todo esse tempo em contato direto com o cliente. Nesse período ocorreram muitas transformações nessa área e tive que acompanhar todas elas.
Aprendizados do meu primeiro trabalho
Iniciei minha carreira aos 14 anos ajudando minha mãe em seu pequeno comércio de utilidades culinárias e ela também oferecia cursos nessa área. Portanto, a loja era um complemento do serviço que ela prestava.
Eu estudava e, aos sábados, me dedicava à ajudá-la durante os cursos. Foi meu primeiro registro em carteira rssssss. Na verdade essa ajuda era a minha mesada, ou seja, tinha que trabalhar aos sábados para receber minha mesada de R$ 10,00 na época.
Nesse primeiro trabalho pude entender que cada cliente tem um tipo de comportamento e que seria necessário entender bastante de gestão para levar minha carreira adiante.
O que aprendi com o meu trabalho na hotelaria
Mas, eu queria alçar voos maiores e decidi que buscaria grandes empresas para trabalhar. A primeira foi na área de hotelaria, no setor de marketing. Pude vivenciar as áreas operacionais também e entendi que ter atenção à todos os detalhes é primordial. Afinal, não adiantaria nada fazer um grande trabalho de divulgação e captar mais clientes para os hotéis se os serviços básicos e complementares não estavam sendo atendidos. As pesquisas de satisfação já eram um grande indicador na época. Para se ter uma ideia, as reservas on-line estavam começando ainda, sendo apenas um portal o precursor desse movimento na época. Portanto, o cliente visitava o hotel pela indicação porque não tinham sistemas de avaliação on-line disponíveis para tomar a decisão. Então, na minha opinião, naquela época (2002-2005) era um grande desafio fidelizar hóspedes sem um serviço excepcional porque a vivência do cliente iria garantir o seu retorno e a sua indicação.
Como me tornei uma pessoa e profissional melhor trabalhando no varejo
Depois disso, segui para o varejo no qual tenho minha maior experiência profissional e que transformou a minha vida.
Trabalhei em uma loja fantástica que tinha como lema a experiência do cliente. Sua arquitetura foi construída para oferecer o máximo conforto aos clientes, para que eles passassem um bom tempo por lá e essa experiência gerar mais vendas. E realmente funcionava.
A loja vendia produtos eletrônicos e editoriais. Portanto, o cliente poderia ler à vontade, ouvir trechos de músicas ou conhecer um novo produto através das televisões espalhadas pela loja, acessar um notebook ou tablet para verificar as configurações, jogar os jogos de vídeo game disponíveis para experimentação. Naquela época lançaram o X-box e os jogos ficavam disponíveis dentro de um aquário para as pessoas jogarem individualmente ou em duplas. Tínhamos que controlar os acessos para permitir à todos a máxima experiência. Até grupos vinham para a loja para competirem entre si. A loja também oferecia pocket shows com artistas iniciantes e já renomados. Eram eventos de grande proporção que exigiam de todos muita atenção e um stress momentâneo, mas positivo que esses eventos geravam para a receita da loja. Era um lugar apaixonante e seu slogan era a gente se encontra na Fnac. Quem se lembra dessa loja? Agora só podemos ter contato na Europa, pois saíram do Brasil.
Através desse trabalho me tornei uma gestora de grandes equipes e iniciaram meus grandes desafios. Ao mesmo tempo, me tornei uma pessoa mais tolerante e resiliente tanto para lidar com os clientes quanto com as equipes. Também comecei a entender que a experiência com o cliente realmente é um grande diferencial e que a equipe pode contribuir muito com a sua estratégia e te ajudar a alavancar os resultados.
Buscando maiores desafios, resolvi trabalhar no segmento de supermercados. Um desafio ainda maior por conta dos alimentos perecíveis. Um dos grandes aprendizados que eu tive é que, se você promete a oferta de um produto, cumpra. Precisa garantir a disponibilidade do produto em estoque e o preço divulgado, pois anunciar na mídia de massa traz o cliente para a loja e cria muita expectativa. Se não for atendida, já sabe, a repercussão negativa é muito pior.
A mudança da área comercial para a área de relacionamento
Sempre atuei na área comercial e cada empresa me ensinou uma maneira diferente de gerir. Mas, uma delas me fez evoluir como gestora muito além das outras. Essa empresa realmente tem o cliente no centro das decisões. Em vários momentos ficava inconformada em ter que tratar alguns assuntos que não considerava justo com o meu trabalho, mas meus gestores sempre diziam: aqui aplicamos a paixão pelo cliente. Apesar de não concordar, entendia que essas decisões eram positivas para a empresa porque realmente fidelizavam o cliente e faziam com que ele comprasse mais. O cliente realmente se tornava um fã, um embaixador da marca. Inclusive já tivemos clientes fazendo aniversário com o tema da empresa (cores, slogan, marca nas paredes, no bolo, no convite rsssssss). Eu nunca tinha tido essa vivência e sempre foi gratificante.
Isso fez com que mudasse meu mindset (modelo mental em português) e começasse a buscar melhorias tanto no meu trabalho quanto na experiência do cliente. Comecei a entender que deveria mudar de área porque queria esse novo desafio para mim e estava me especializando muito para isso. A empresa apoiou muito a minha decisão e me proporcionou essa mudança incrível para mim até hoje.
Os desafios continuam sendo grandes: gerir uma área de relacionamento e serviços para o cliente, sendo suporte para a área comercial, realizando o pós-vendas e implantando novos serviços que atendam às necessidades dos clientes.
Fiz toda essa retrospectiva para que entendam todas as mudanças pela qual eu, o mercado e o cliente passaram ao longo desses mais de vinte anos. De um atendimento totalmente analógico para um atendimento omnicanal e multiplataforma nos dias atuais. Os sistemas informáticos evoluíram, a internet avançou muito, mas ainda assim o conceito de experiência não mudou. A tecnologia e a inovação ajudam no processo, mas o cuidado, a atenção aos detalhes, a escuta com o cliente, isso permanece ainda muito firme para todos: empresas, profissionais e clientes.
E o que tudo isso tem a ver com o momento da pandemia?
O ano de 2020 começou muito bem para o varejo porque, após dois anos de vendas fracas, a economia começava a dar sinais de estabilização. O dinheiro voltou a circular no comércio. Janeiro e fevereiro foram positivos, mas as notícias do coronavírus já circulavam. A Europa e já iniciava seu restrito lockdown (bloqueio total de uma região) e isso iria se refletir no Brasil a partir de março.
E isso aconteceu. Em meados de março fomos obrigados a fechar as lojas ao público e somente o nosso comércio eletrônico poderia atuar. Foi um choque ter que ficar em casa nessas condições.
Em seguida, foi concedida uma liminar para que apenas os serviços essenciais pudessem operar, mas com restrições de horários.
Retornamos ao trabalho, mas controlando os acessos de clientes, afastando colaboradores do grupo de risco e seguindo todas as normas de higiene estabelecidas pelo período.
Ver a loja vazia, as ruas vazias, transportes públicos vazios, muitas pessoas com medo foi algo bem impressionante e desafiador. A cidade de São Paulo quase parou!!!
Eu estava acostumada com grande movimento e finais de semana ainda mais agitados, lojas cheias, muitas ações de incentivo às vendas, pessoas passeando ou comprando em família, baixo índice de reclamações, bons indicadores de pesquisas de satisfação. Mudou do dia para a noite.
Os desafios no começo da pandemia
Como gestora, precisei ajudar a "acalmar" a equipe que estava com medo (tinha que trabalhar, mas estava correndo risco), implantar outros processos rapidamente para ajudar a segurar uma pequena fatia do resultado e me adaptar à todos os protocolos para que não trouxesse risco às pessoas (clientes e colaboradores).
Tivemos que reorganizar todo o processo de e-commerce (tanto nos protocolos de higiene quanto buscar transportadoras para atender a demanda) e clique e retire em sistema drive thru (para agilizar a entrega dos produtos ao cliente sem ter que sair do carro e evitando contato físico).
Esse foi um dos primeiros desafios porque as pessoas estavam com medo de sair de casa, não queriam esse contato físico, cobraram agilidade no processo tanto dos sistemas informáticos quanto da equipe que ainda estavam em processo de adaptação.
E o varejo de modo geral, como agiu no início da pandemia?
De um modo geral, todo o varejo foi afetado com a pandemia. Poucos segmentos puderam abrir e o e-commerce era a única oportunidade no momento para todos eles. E essa mudança brusca prejudicou a todos, tanto clientes quanto empresas porque as adaptações de processos e sistemas não conseguiam chegar na velocidade da demanda. O primeiro gargalo estava no processo: muitos pedidos para expedição e poucas pessoas para separar pela redução de quadro (além de ter que afastar o grupo de risco não poderiam ter o quadro completo devido ao distanciamento social). Esse gargalo afetou em um primeiro atraso para os clientes, prazos não eram cumpridos.
Assim que a operação normalizou, as transportadoras estavam no limite e começaram a atrasar também. Foi o segundo gargalo. Tanto a operação quanto as transportadoras precisaram buscar trabalhadores temporários para darem conta da demanda. Esse processo não é resolvido tão rápido quanto a demanda do serviço, mas foi um plano de ação bem implantado por algumas empresas e ajudou vários trabalhadores desempregados.
Observando as redes sociais e sites de reclamações das grandes empresas, todas elas tiveram um alto índice de reclamações (praticamente dobraram). Quem não tinha um bom canal de relacionamento com o cliente e com um software de CRM se prejudicou muito. As redes sociais eram o caminho mais rápido para realizar a reclamação. A marca ficou ainda mais exposta e suas vulnerabilidades também.
Se tinha uma postagem da empresa, os comentários eram totalmente preenchidos com reclamações. A equipe de marketing ficou sem ação para muitas situações. Chegaram a bloquear os comentários para não perderem o controle. Isso é muito prejudicial para qualquer empresa, não foi a melhor escolha na minha opinião.
A resposta para os clientes também demandou muitos ajustes das equipes. O que antes se retornava em um dia e era considerado normal, passou a ser necessário responder em duas horas. Com certeza as equipes também não estavam preparadas para isso, até porque precisavam de respostas sobre as entregas e as transportadoras também não conseguiam dar. Mais um gargalo foi observado: o sistema de rastreabilidade de pedidos era falho ou incompleto para a maioria das transportadoras.
Alguns shoppings centers ou lojas agiram rapidamente para montar um sistema de entregas tentando minimizar o impacto das vendas, bem como um sistema de drive thru também. Foi uma boa oportunidade na minha opinião. Voltou a dar uma motivação a mais até para os pequenos varejistas.
Essa necessidade de vender e atender os clientes para não impactarem as vendas também forçaram várias empresas a investirem em um site para venda de produtos, cadastro em marketplaces ou apps para aumentar a divulgação e a demanda, vendas pelo What´sApp e outras redes sociais. Essa ação foi bem positiva porque vários desenvolvedores criaram sistemas para ajudar os pequenos e foi criado até um movimento para isso. Com certeza as ações garantiram uma pequena parcela das vendas para que pudessem ajudar, pelo menos, nos custos fixos. Eu também enxergo como positivo o movimento de tirar o empresário de sua zona de conforto. Se estava adiando alguma melhoria ou investimento, precisou se adaptar rapidamente. Com certeza hoje o empresário está mais capacitado e alerta para atuar em momentos de crise.
E o comportamento do cliente, mudou nesse período?
Mudou e muito. Ele também precisou se adaptar ao novo momento. Quem ainda tinha resistência em comprar pela internet precisou acreditar no processo para atender suas necessidades. As vendas por What´sApp também começaram para atender a demanda dos clientes quanto às dúvidas iniciais. Em vários casos, vendedor e cliente faziam vídeo chamada para visualizarem os produtos e conversarem melhor. Isso ajudou a converter mais vendas pelos sites (cerca de 20%). Vendas corporativas (B2B) também foram atendidas por esse canal.
As lojas investiram mais em redes sociais, principalmente Instagram, para agrupar fotos dos produtos com o link direto para compra. As lives também auxiliaram muito os clientes para visualização dos produtos, ofertas e tirar dúvidas.
Todos esses mecanismos mudaram a percepção de tempo do consumidor. Ele ficou ainda mais exigente nesse quesito. Como disse acima, prazos de um dia já não eram suficientes para resposta. Se o retorno não acontecesse em duas horas, automaticamente ele já migrava para sites de reclamação como Reclame Aqui ou Consumidor.gov.br. Senso de urgência é o grande lema do momento para essa área. Também tirou várias empresas de sua zona de conforto.
Outro fator que proporcionou essa exigência de agilidade na resposta é o próprio stress do momento. As pessoas ficaram privadas de sua liberdade, projetos e sonhos tiveram que parar, o futuro era incerto, muitos perderam seus trabalhos, outros se viram diante de uma rotina pesada entre educação dos filhos e o trabalho em casa, o medo de se contaminar... Mudou e muito para todo mundo.
A agressividade e a intolerância nesse período foi algo que surpreendeu muito. Os comentários nas redes sociais eram pesados e, consequentemente, todo canal de relacionamento (seja por escrito, telefone ou presencial) sofreu com isso. Gestores precisaram blindar sua equipe para não se desgastarem e nem se desmotivarem com isso.
Vivenciei situações de clientes muito exaltados com baixa escuta e, em seguida, caindo aos prantos pelas situações pessoais que estavam vivendo. Muitas pessoas abaladas psicologicamente com comportamentos agressivos.
Muitas vezes essas atuações diretas com o cliente também nos abalam. Mas, como já disse em outro post, a área de relacionamento tem que ter empatia e ouvir o cliente com atenção.
A maneira como alguns falam conosco não é correta, mas quando você ouve o que está irritando, poderá perceber que ele tem razão na maioria das colocações.
Isso foi outro grande aprendizado que eu tirei nesse período e todos esses feedbacks que recebiam eu encarava como uma oportunidade para melhorar e rápido, tanto a minha atuação quanto da equipe e dos processos.
E, me colocando no lugar do cliente, pude entender sua angústia e sabia que precisávamos ter outro tipo de postura diante de todos os problemas enfrentados.
O que mais me deixou feliz e realizada nesse período é que minha postura diante de todos eles gerou confiança e isso aumentou a credibilidade dele diante da empresa. Esse é um fator muito favorável para fidelizar os clientes. Sua equipe gera essa confiança?
Resumindo
Ainda vivemos um período de pandemia, cada dia que passa as regras mudam e tentamos voltar ao normal. Mas, agora será um "novo normal" como muitos dizem.
O movimento não voltou 100% e ainda irá demorar um pouco para voltar. Somente quando as escolas e escritórios retornarem definitivamente é que vamos ver o movimento de antes pelas ruas e transportes públicos.
Um ponto é certo: o consumidor mudou seus hábitos e as vendas on-line permanecerão ativas ainda e com altas progressões. As visitas às lojas demandam mudanças de hábitos e cada vez devem oferecer uma experiência muito diferente de produto e preço. O cliente que irá na loja buscará sempre um algo a mais. Está aí um grande desafio para o varejo que, com certeza, irá se reinventar nos próximos anos.
O "novo normal" continuará exigindo dos profissionais muito senso de urgência, empatia, resiliência, visão de inovação, visão de processos e projetos (sempre visando simplificar ou agilizar algo) e metodologia ágil (nem saberão que zona de conforto existe rsssss). Para as empresas, investir em canais de comunicação, interação e vendas omnicanais e multiplataformas será questão de sobrevivência. Colocar o cliente no centro do negócio é o básico e entender, investir e atuar nos irritantes da jornada do cliente será fundamental para a permanência dos clientes na empresa. E o algo a mais, o que deve o plus para as empresas? Ah, isso vou contar em outro post. Continua acompanhando.
Por favor, dê o seu feedback, deixe o seu comentário. Gostaria de saber como foi a sua vivência e experiência nesse período.
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